Visualize seu bairro ideal. Talvez seja em uma rua sem saída nos subúrbios, onde cada vizinho tem um gramado bem cuidado, uma garagem para dois carros e todos se cumprimentam amigavelmente a caminho do trabalho. Ou talvez você more em um arranha-céu em um centro urbano denso, use o transporte público para ir ao escritório cinco dias por semana e cumprimente o porteiro ao sair. Seja qual for a aparência do seu bairro, sempre há a sensação de querer conhecer as pessoas que moram perto de você — ou pelo menos uma confiança tácita umas nas outras para garantir que seu entorno esteja seguro. O que acontece quando a tecnologia junta você e seus vizinhos para relatar os acontecimentos locais? Seria isso algo bom, ou criaria uma estranha situação de vigilância distópica?
A segurança do bairro e a redução do crime são pontos focais importantes em muitas comunidades. Muitas empresas de tecnologia estão trabalhando para tornar essas conversas mais informais e, em alguns casos, colocar o policiamento nas mãos dos cidadãos. Nos últimos anos surgiram novos aplicativos que estão permitindo que as pessoas vejam atualizações e comentários sobre crimes em tempo real, às vezes ajudando as pessoas a ficarem mais conscientes de seus arredores e a entender os problemas da vizinhança, mas em outros casos, porém, acabaram fazendo mais mal do que bem.
Em 2020, um aplicativo chamado Citizen foi um dos aplicativos de notícias com melhor classificação na loja da Apple. Disponível em mais de 30 grandes cidades nos Estados Unidos, ele se promoveu como uma rede de segurança pessoal que oferecia serviços como rastreamento de contatos com COVID-19, notificações sobre alertas de crimes em tempo real e medidas de segurança e rastreamento para os usuários e seus amigos. Seu objetivo era criar uma rede de vigilância em massa para permitir que as pessoas se sentissem mais seguras em suas cidades e nas cidades que visitavam e não conheciam. Ao permitir que as pessoas denunciem um crime, o aplicativo visava aumentar a transparência sobre como o crime ocorre e como é resolvido, na esperança de construir comunidades mais seguras.
Em alguns casos, fez o oposto. Críticos afirmam que esse tipo de tecnologia permite apenas que as pessoas determinem quem é suspeito e quem pertence à sua comunidade e quem não. Também reforça as ideias em torno de bairros que já podem ser vistos como inseguros, com pessoas relatando estereotipadamente pequenas ocorrências como crimes graves, chamando a atenção para essas áreas. Uma transmissão ao vivo do Citizen teve mais de um milhão de espectadores e iniciou uma caçada em massa a uma pessoa que foi injustamente acusada de iniciar um incêndio florestal. A tecnologia que usamos em nossas cidades deve nos ajudar a proteger uns aos outros, em vez de causar medo.
Outra empresa, a Nextdoor, começou como uma forma de as pessoas se conhecerem, uma espécie de página do Facebook para os vizinhos compartilharem recomendações e planejarem eventos sociais. Havia menos anonimato porque os usuários geralmente sabiam quem eram os outros, já que cada pessoa tinha que confirmar sua identidade e ninguém fora de sua bolha selecionada podia ver suas informações. Logo se tornou outra forma de vigilância do bairro, onde as pessoas identificavam ameaças e viam o aplicativo como um megafone para questões da vida suburbana. Os vizinhos começaram a brigar por causa das coisas ditas no aplicativo, e o medo aumentou.
Muitas vezes, a tecnologia parece ser a resposta para como podemos trabalhar juntos para manter as cidades mais seguras, mas ainda não existe uma solução perfeita de como o aumento de informações generalizadas sob demanda pode ser aplicado para realmente manter as pessoas seguras sem causar outras formas de prejuízo. Quem deve decidir o que torna algo inseguro? Quem está encarregado de moderar esse processo? Que formas de design podem ajudar a reduzir as ocorrências de crimes? Os planejadores e formuladores de políticas devem ter em mente todas essas questões ao pensar sobre como as pessoas vivem em nossas cidades e como elas desejam interagir umas com as outras.